Pedro de Castro
Mães e filhos que pedem e vendem balinhas chegam a fazer R$ 150 por dia no fim do ano. A renda é proporcional ao número de crianças
Próximo ao fim do ano e das festas religiosas, famílias que dependem da generosidade de desconhecidos sentem um aumento nas doações de roupas, comida e dinheiro. Elas chegam a dobrar a renda em dezembro – pedindo e vendendo balas em esquinas, lanchonetes e bares. A reportagem saiu às ruas da região central de Curitiba, conversou com cerca de 20 pessoas, entre adultos, crianças e famílias inteiras, e descobriu que a época de fim de ano é um alívio para os mais necessitados. O dinheiro é usado para comprar produtos que são inacessíveis no resto do ano, como sapatos.
“As pessoas sentem pena mesmo”, julga Giovana Alves, de 29 anos, que vende balas em sinais e lojas do centro há três anos. O sentimento é bem-vindo. No fim do ano passado, Giovana chegou a ganhar 11 cestas básicas de fregueses mais fiéis. “São senhoras que passam por lá todos os dias. Elas apontam onde vão parar o carro, e a gente vai lá apanhar as cestas”, explica. Alimentando ela, o marido e os filhos Johnatan, de 7 anos, e Xaiane, de 9, as doações duraram em torno de três meses. “Foi uma bênção, pena que esse ano ainda não recebemos nada assim”, lamenta.
Não que a época de Natal não tenha melhorado as contas neste ano. O lado negativo é que o aumento de dinheiro tem a ver com a permanência de crianças nas ruas. Os filhos de Giovana saíram de férias escolares e a acompanham no trabalho. O trio fez as vendas subir de duas caixinhas de bala por dia para quatro: de R$ 40 para R$ 80. Giovana não é a única para quem o fim das aulas significa levar os filhos para pedir e vender balas. A relação entre o número de crianças que saem com as mães e o aumento do dinheiro recebido é evidente.
Crianças
As irmãs Vanderleia Fernandes, 28 anos, e Aline Braga, 20, ilustram bem essa conexão. A renda das duas dobra em dezembro, mas Vanderleia sai na frente. Ela tem cinco filhos, com 3 a 11 anos, que em dezembro seguem todos a mãe. “Não tenho onde deixar e eles ajudam, né?”, explica. E a ajuda não é pouca. Vanderleia costuma fazer R$ 80 por dia vendendo balinhas em sinais e lanchonetes ao longo do ano. Em dezembro, esse valor chega a R$ 150.
Já o ganho com balas de Aline, mãe de dois filhos – Samuel, de 6 anos, e Monique, de 3 –, vai de R$ 50 para R$ 100, na comparação de dezembro com o resto do ano. “É por causa do dó. Não por nós, mas pelas crianças”, percebe. As duas moram no Jardim da Ordem, uma ocupação no Tatuquara, e não vão ao centro todo dia. Mas, segundo as contas de cabeça delas, Vanderleia chega a fazer R$ 3 mil em dezembro e Aline, R$ 2 mil. Elas dizem que os filhos estudam e só trabalham no fim do ano. As irmãs são um retrato bastante fiel da condição de mães pedintes e vendedoras de balas: maternidade precoce, rejeição pelo pai e desemprego do marido. Vanderleia, inclusive, já pedia quando criança. Hoje em dia só sai quando o marido está desempregado – o que não é raro. Aline está sem outra opção há dois anos, uma vez que os pais das crianças não mandam dinheiro. A caridade de fim de ano é fundamental para elas.
O dinheiro que entra – depois dos R$ 200 do aluguel e das compras diárias de comida (elas têm ligações irregulares de luz e se enquadram na tarifa social da água) – serve para comprar tênis para as crianças. Um par por ano. Isso porque os pés delas ainda estão crescendo. Aline já calçou os filhos, mas os caçulas de Vanderleia, Kelly, de 6 anos, e Carolin, de 3, esperam sua vez. “É só para usar na escola, nada de sair brincar de tênis novo”, ensinam. As crianças ainda pedem, e ganham, material escolar em lojas populares.
Sonho
As coisas não melhoram só para quem leva as crianças a tiracolo. José Francisco Pinto, de 61 anos, engraxava sapatos há dois anos na Praça Tiradentes, mas acabou perdendo o posto depois da reforma (o material ela alugado). Desde então, o jeito foi vender balinhas, uma quadra para baixo. José tem uma deformidade de nascença nos pés, que dificulta sua locomoção.
Ele paga R$ 300 por mês pelo quarto de hotel. É quase tudo o que ganha ao longo do ano. Mas em dezembro o dinheiro chega a R$ 900, e ele consegue poupar para realizar um sonho. “Custa R$ 7 mil a moto que eu quero comprar. Ela é cara por causa da partida elétrica. Não tenho como ligar de outro jeito por causa dos meus pés”, conta. “Daí posso passar a fazer entregas”, planeja.
Caridade não é só esmola
A caridade exige mais que a esmola, ainda mais porque não dá para saber se o dinheiro que se dá tem o destino que se imagina, julga o padre José Aparecido, secretário da Ação Social do Paraná, entidade beneficente ligada à Igreja Católica. “Antigamente, ou mesmo em uma cidade pequena, o doar puro e simples era positivo porque você sabia que a pessoa tinha certa necessidade e iria usá-la para isso”, pensa.
Benefício próprio
Isso não mais se aplica, acredita Aparecido, porque a esmola faz mais bem a quem dá. “A pessoa se sente sensibilizada e acaba dando um dinheiro para se sentir bem, achar que fez alguma coisa e que é uma boa pessoa. É claro que se alguém te pedir comida ou roupas, você vai matar a fome ou o frio que ele sente. Mas a verdadeira caridade é quando você se envolve na vida das pessoas.” (PC)
Entidades de filantropia intensificam campanhas
Fim de ano é época de as entidades beneficentes intensificarem as campanhas que sempre fazem por doações. O espírito natalino se manifesta na venda de cartões e no aumento de doações de móveis e de compra de usados nos bazares. A caridade é um alívio para as contas das instituições que precisam pagar férias e 13° salário a todos os seus funcionários, o que nem sempre é fácil.
A Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neoplasia (APACN), por exemplo, começou o mês de dezembro neste ano com o pé direito. O bazar de produtos apreendidos pela Receita Federal foi um sucesso e arrecadou R$ 18 mil na primeira semana do mês. Já é um aumento de 50% se o valor for comparado aos R$ 12 mil que a instituição costuma receber de doações nos demais meses do ano.
Espera
Quem liga para doar móveis e brinquedos ao Pequeno Cotolengo tem de esperar até três dias para que o caminhão vá buscar. As ligações de doadores sobem de 12 para 30 por dia em dezembro e os motoristas quase não dão conta. As doações em dinheiro aumentam em torno de 30%.
“Esse aumento do valor é para pagar as obrigações com funcionários mesmo. Quando precisamos de obras maiores, fazemos campanhas especiais”, explica o diretor do Pequeno Cotolengo, padre Valdeci Marcolino.
“O ideal seria que essa vontade de ajudar fosse constante ao longo do ano. Mas há pessoas que ajudam nessa época, vêm conhecer nosso trabalho e acabam virando doadoras e nos visitando ao longo do ano”, conta o secretário da APACN, o voluntário Cléber Mendes de Andrade. (PC)
Fonte: Gazeta do Povo
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