quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Recortes de jornal podem, sim, mudar a história

Elza Oliveira Filha
Ao determinar o arquivamento de 11 representações contra o presidente do Senado Federal, José Sarney, o presidente do Conselho de Ética da Casa, senador Paulo Duque (PMDB-RJ), alegou na semana passada que suas decisões foram motivadas pelo fato das acusações serem baseadas em “recortes de jornais”. O sistema judiciário brasileiro efetivamente não permite a condenação em processo no qual o conjunto probatório se limite a informações publicadas na imprensa. E é correto que assim decida a Justiça, visto que a tarefa investigatória desenvolvida por jornalistas tem contornos diferenciados do inquérito policial ou da produção de provas na esfera judicial.
A finalidade da profissão, como bem definem Bill Kovach e Tom Rosenstiel, no livro Os Elementos do Jornalismo, “é oferecer in­­for­­­mações às pessoas para estas sejam livres e capazes de se au­­togovernar”. Mas a alegação de que chegaram ao Conselho de Ética apenas “recortes de jornais” e, portanto, as denúncias eram vazias, é um argumento capenga e a história está repleta de exemplos demonstrando o contrário – no Brasil e no exterior. Muitas vezes é a partir de denúncias da imprensa que os órgãos competentes aprofundam investigações e alcançam a punição de ilícitos.
Só para ficar em dois casos emblemáticos, vale citar o episódio Watergate, que levou à renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon, e o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo – envolvido nas tristes imagens de bate-bocas do Senado na semana passada. No exemplo ‘collorido’ há que se registrar o papel duplo da mídia: em primeiro lugar ao inflar a candidatura do então governador de Alagoas, a quem foi atribuída a alcunha de “caçador de marajás” e, depois, colaborando na sua queda. Embora o espaço deste texto seja pequeno para aprofundar o debate, o caso Collor serve para demonstrar que nem sempre a imprensa defende os interesses coletivos, sobretudo no Brasil onde a propriedade dos veículos de comunicação muitas vezes se cruza com interesses políticos de variados matizes.
O ideal da atividade jornalística, no entanto, é que a lealdade primeira dos profissionais seja com os cidadãos e a essência da sua prática seja a disciplina da verificação. É isso que procuramos incutir nos acadêmicos de Jornalismo e por isso a maior parte da categoria defende a necessidade de formação específica para o exercício profissional
O papel do jornalismo nas sociedades democráticas é essencial para a garantia das liberdades de informação e expressão. Justamente por sua importância no exercício da cidadania é que uma das primeiras atitudes dos regimes ditatoriais é impor censura à imprensa. “A comunicação é o cerne da modernidade, inseparável deste lento movimento de emancipação do indivíduo e do nascimento da democracia”, escreve Dominique Wolton no livro Internet, e depois? Assim como outros pesquisadores que procuram entender as mudanças do nosso tempo, ele enfatiza o protagonismo da comunicação e enaltece a responsabilidade social do jornalismo. Wolton fará a palestra de abertura do XXXII Congresso Brasileiro de Ciência da Comunicação, no dia 4 de setembro, na Universidade Positivo, abordando o tema “Comunicação política: a política, a mídia e a opinião pública”.
Ao contrário do presidente do Conselho de Ética do Senado, que busca desqualificar o trabalho da imprensa, a comunidade científica e a população demonstram reconhecer a importância desta atividade. Uma comprovação é a pesquisa realizada em junho de 2008 pela Associação dos Magistrados Brasileiros para medir os índices de confiança da população nas diversas instituições. Forças Armadas (79%), Igreja Católica (72%) e Polícia Federal (71%) ficaram com as melhores avaliações. Logo abaixo vêm o Poder Judiciário, a Imprensa (com 58%) e o Ministério Público. As instituições político-partidárias têm o menor índice de confiança, 22% (disponível em http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa/barometro.pdf).
A expectativa é que agora os demais integrantes do Conselho de Ética, ou mesmo o plenário do Senado Federal, reformem a decisão do senador Dutra e reconheçam que, sim, recortes de jornal podem mudar a história.
Elza Oliveira Filha, doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos, foi repórter da imprensa diária durante mais de 20 anos. É professora do curso de Jornalismo da Universidade Positivo.

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