segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Espírito de Natal ajuda quem depende da bondade alheia

Pedro de Castro
Mães e filhos que pedem e vendem balinhas chegam a fazer R$ 150 por dia no fim do ano. A renda é proporcional ao número de crianças

Próximo ao fim do ano e das festas religiosas, famílias que dependem da generosidade de desconhecidos sentem um aumento nas doações de roupas, comida e dinheiro. Elas chegam a dobrar a renda em dezembro – pedindo e vendendo balas em esquinas, lanchonetes e bares. A reportagem saiu às ruas da região central de Curitiba, conversou com cerca de 20 pessoas, entre adultos, crianças e famílias inteiras, e descobriu que a época de fim de ano é um alívio para os mais necessitados. O dinheiro é usado para comprar produtos que são inacessíveis no resto do ano, como sapatos.

“As pessoas sentem pena mesmo”, julga Giovana Alves, de 29 anos, que vende balas em sinais e lojas do centro há três anos. O sentimento é bem-vindo. No fim do ano passado, Giovana chegou a ganhar 11 cestas básicas de fregueses mais fiéis. “São senhoras que passam por lá todos os dias. Elas apontam onde vão parar o carro, e a gente vai lá apanhar as cestas”, explica. Alimentando ela, o marido e os filhos Johnatan, de 7 anos, e Xaiane, de 9, as doações duraram em torno de três meses. “Foi uma bênção, pena que esse ano ainda não recebemos nada assim”, lamenta.

Não que a época de Natal não tenha melhorado as contas neste ano. O lado negativo é que o aumento de dinheiro tem a ver com a permanência de crianças nas ruas. Os filhos de Giovana saíram de férias escolares e a acompanham no trabalho. O trio fez as vendas subir de duas caixinhas de bala por dia para quatro: de R$ 40 para R$ 80. Giovana não é a única para quem o fim das aulas significa levar os filhos para pedir e vender balas. A relação entre o número de crianças que saem com as mães e o aumento do dinheiro recebido é evidente.

Crianças

As irmãs Vanderleia Fernandes, 28 anos, e Aline Braga, 20, ilustram bem essa conexão. A renda das duas dobra em dezembro, mas Vanderleia sai na frente. Ela tem cinco filhos, com 3 a 11 anos, que em dezembro se­­guem todos a mãe. “Não tenho onde deixar e eles ajudam, né?”, explica. E a ajuda não é pouca. Van­derleia costuma fazer R$ 80 por dia vendendo balinhas em sinais e lanchonetes ao longo do ano. Em dezembro, esse valor chega a R$ 150.

Já o ganho com balas de Ali­­ne, mãe de dois filhos – Sa­­muel, de 6 anos, e Monique, de 3 –, vai de R$ 50 para R$ 100, na comparação de dezembro com o resto do ano. “É por causa do dó. Não por nós, mas pelas crianças”, percebe. As duas mo­­ram no Jardim da Ordem, uma ocupação no Tatuquara, e não vão ao centro todo dia. Mas, segundo as contas de cabeça delas, Vanderleia chega a fazer R$ 3 mil em dezembro e Aline, R$ 2 mil. Elas dizem que os fi­­lhos estudam e só trabalham no fim do ano. As irmãs são um retrato bastante fiel da condição de mães pedintes e vendedoras de balas: maternidade precoce, rejeição pelo pai e desemprego do marido. Vanderleia, inclusive, já pedia quando criança. Hoje em dia só sai quando o marido está desempregado – o que não é raro. Aline está sem outra opção há dois anos, uma vez que os pais das crianças não mandam dinheiro. A caridade de fim de ano é fundamental para elas.

O dinheiro que entra – de­­pois dos R$ 200 do aluguel e das compras diárias de comida (elas têm ligações irregulares de luz e se enquadram na tarifa social da água) – serve para comprar tênis para as crianças. Um par por ano. Isso porque os pés de­­las ainda estão crescendo. Aline já calçou os filhos, mas os caçulas de Vanderleia, Kelly, de 6 anos, e Carolin, de 3, esperam sua vez. “É só para usar na escola, nada de sair brincar de tênis novo”, ensinam. As crianças ain­­da pedem, e ganham, material escolar em lojas populares.

Sonho

As coisas não melhoram só para quem leva as crianças a tiracolo. José Francisco Pinto, de 61 anos, engraxava sapatos há dois anos na Praça Tira­­dentes, mas acabou perdendo o posto depois da reforma (o material ela alugado). Desde então, o jeito foi vender balinhas, uma quadra para baixo. José tem uma deformidade de nascença nos pés, que dificulta sua locomoção.

Ele paga R$ 300 por mês pelo quarto de hotel. É quase tudo o que ganha ao longo do ano. Mas em dezembro o dinheiro chega a R$ 900, e ele consegue poupar para realizar um sonho. “Custa R$ 7 mil a moto que eu quero com­­prar. Ela é cara por causa da partida elétrica. Não tenho co­­mo ligar de outro jeito por causa dos meus pés”, conta. “Daí posso passar a fazer entregas”, planeja.

Caridade não é só esmola
A caridade exige mais que a esmola, ainda mais porque não dá para saber se o dinheiro que se dá tem o destino que se imagina, julga o padre José Apare­cido, secretário da Ação Social do Paraná, entidade beneficente ligada à Igreja Católica. “An­­tigamente, ou mesmo em uma cidade pequena, o doar puro e simples era positivo porque vo­­cê sabia que a pessoa tinha certa necessidade e iria usá-la pa­­ra isso”, pensa.

Benefício próprio
Isso não mais se aplica, acredita Aparecido, porque a esmola faz mais bem a quem dá. “A pes­­soa se sente sensibilizada e acaba dando um dinheiro para se sentir bem, achar que fez al­­guma coisa e que é uma boa pes­­soa. É claro que se alguém te pedir comida ou roupas, vo­­cê vai matar a fome ou o frio que ele sente. Mas a verdadeira caridade é quando você se en­­volve na vida das pessoas.” (PC)

Entidades de filantropia intensificam campanhas
Fim de ano é época de as entidades beneficentes intensificarem as campanhas que sempre fazem por doações. O espírito natalino se manifesta na venda de cartões e no aumento de doações de móveis e de compra de usados nos bazares. A caridade é um alívio para as contas das instituições que precisam pagar férias e 13° salário a todos os seus funcionários, o que nem sempre é fácil.

A Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neoplasia (APACN), por exemplo, começou o mês de dezembro neste ano com o pé direito. O bazar de produtos apreendidos pela Receita Federal foi um sucesso e arrecadou R$ 18 mil na primeira semana do mês. Já é um aumento de 50% se o valor for comparado aos R$ 12 mil que a instituição costuma receber de doações nos demais meses do ano.

Espera
Quem liga para doar móveis e brinquedos ao Pequeno Coto­­lengo tem de esperar até três dias para que o caminhão vá buscar. As ligações de doadores sobem de 12 para 30 por dia em dezembro e os motoristas quase não dão conta. As doações em dinheiro aumentam em torno de 30%.

“Esse aumento do valor é pa­­ra pagar as obrigações com funcionários mesmo. Quando precisamos de obras maiores, fazemos campanhas especiais”, ex­­plica o diretor do Pe­­que­­no Coto­lengo, padre Val­­deci Marcolino.

“O ideal seria que essa vontade de ajudar fosse constante ao longo do ano. Mas há pessoas que ajudam nessa época, vêm conhecer nosso trabalho e acabam virando doadoras e nos visitando ao longo do ano”, conta o secretário da APACN, o voluntário Clé­ber Mendes de Andrade. (PC)

Fonte: Gazeta do Povo

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