sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Autorregulamentação está longe de consenso


Após rejeitar ideias como a do Conselho Federal de Jornalismo, empresas consideram prós e contras de novo modelo

Publicado em 27/08/2010 | Cinthia Scheffer, enviada especial
Antes da revogação da Lei de Imprensa, no fim do ano passado, jornalistas e empresários já discutiam alternativas à legislação, editada em 1967 e marcada pela ditadura instituída no país na época. Quando derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a lei eliminou, por exemplo, penas consideradas exageradas – fazendo com que o julgamento de ações contra jornalistas passasse a ser feito com base na Constituição e nos códigos Civil e Penal. Mas também deixou lacunas a serem preenchidas, como as questões que envolvem o direito de resposta. Na semana passada, vislumbrou-se uma solução com a intenção da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) de criar um conselho de autorregulamentação da imprensa. Um projeto ainda embrionário, no entanto, e longe de um consenso.

As formas de atuação do conselho ainda estão em estudo. O que se sabe até agora é que ele será composto por sete membros e nascerá com base nos modelos já adotados em outros países. Em seu discurso de abertura do Congresso Nacional de Jornais, realizado na semana passada no Rio de Janeiro, a presidente da entidade e diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã, Judith Brito, defendeu a criação do conselho como um avanço em relação aos códigos de ética já existentes em alguns jornais do país e na própria ANJ, em um “modelo que permita debater e avaliar nossos erros, de forma transparente”.

Responsabilidade

A ANJ vê no conselho uma forma de reiterar seu compromisso com a liberdade de expressão e com a responsabilidade editorial. A proposta remete a uma inevitável comparação com o Conselho de Autorre­gula­mentação Publicitária (Conar), que naquela mesma semana completava 30 anos e é tido pelo setor como um exemplo de sucesso no combate a abusos. Mas que, por outro lado, é questionado por dezenas de entidades não-governamentais que pedem restrições mais severas em alguns segmentos. Mantido por agências, anunciantes e empresas de comunicação, o Conar nasceu no fim dos anos 70, quando o governo federal pensava em sancionar uma lei que, para o setor, seria uma espécie de censura prévia à propaganda.

A comparação com o conselho publicitário, no entanto, trouxe à tona, em discussões no próprio congresso, as dificuldades de se implementar um órgão como este – reforçadas por críticas a uma possível reedição da abortada ideia de um Conselho Federal de Jornalismo, defendida em 2004 pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

“Não é censura agora?”, questiona o professor Rogério Christofoletti, pesquisador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) em um artigo publicado nesta semana. O grande temor na época das discussões em torno do CFJ era que ele se tornasse um instrumento de censura. O editor de Opinião de O Globo, Aluizio Maranhão, que tem assento no Conar, indicado pela ANJ, disse em sua participação no congresso que o fato de o assunto estar na agenda do setor é bastante positivo, mas disse ver “sérias dúvidas” sobre a possibilidade de a ANJ criar um conselho nos moldes do Conar. “É muito mais fácil identificar o desvio numa publicidade do que o desvio numa reportagem”, ponderou. “Qual código poderá abranger o universo de 140 jornais num país disparatado como o nosso, onde se tem caciquias políticas, crime organizado com um pé na política, Bangladesh e Nova York?”, questionou.

Maranhão disse ainda que se sentia desconfortável ao criticar uma ação “corporativista-sindical-paraestatal” como a tentativa de criação de um CFJ e, ao mesmo tempo, defender a proposta da ANJ – ressaltando que fazia uma avaliação pessoal e política. O Conselho Federal de Jornalismo tinha como objetivo, entre outros pontos, “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista”.

Riscos

O vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril e vice-presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Sidnei Basile, também fez referência ao CFJ e argumentou que o país precisa de “menos tribunais de ética e de mais práticas de uma cultura de convivência de boa fé”. “Isso [a autorregulamentação] é mais ou menos como carregar uma carga de dinamite. Dá para ser feito, mas com um enorme cuidado, porque o risco é imenso.”

O vice-presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, defendeu a ideia do conselho citando a censura ao jornal O Estado de S.Paulo como um “exemplo objetivo” de eventuais atuações do órgão. “Fernando Sarney, um dono de jornal, entrou com uma ação e censurou o jornal O Estado de S. Paulo. Todos os associados (à ANJ) têm de sustentar a liberdade de expressão. Nós temos os valores, mas não temos um rito, por isso vamos nos regulamentar”, disse ele, citando a proposta de se aplicar sanções aos jornais, não aos jornalistas. A punição máxima seria a desfiliação da entidade.

entrevista
Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ)

A autorregulamentação é o grande desafio do seu novo mandato?

A questão da autorregulamentação vem sendo discutida há muito tempo pelos associados da ANJ e tomou ainda mais força após a queda da Lei de Imprensa. Mas é apenas mais uma resposta dos jornais à sociedade, que exige a liberdade de expressão. A defesa dessa liberdade continua sendo o nosso grande mote. Também vamos trabalhar para viabilizar a migração das mídias para novas plataformas digitais em modelos saudáveis e economicamente viáveis.

Essas novas mídias foram um dos principais temas do congresso deste ano. A senhora as vê como uma ameaça ou uma oportunidade?

É tanto um desafio quanto uma oportunidade. Nós temos de saber fazer essa transição, exigindo a devida remuneração por um conteúdo cuja produção exige muitos investimentos. Os jornais de credibilidade investem em um jornalismo profundo, investigativo. Isso tudo custa muito. Sem o devido reconhecimento por este conteúdo, não é possível um trabalho profundo.

Isso passa necessariamente por conteúdo pago na internet ou telefone, por exemplo?

Certamente. O que estamos discutindo são formas práticas de viabilizar isso: quanto do conteúdo deverá ser fechado e pago e quanto deverá ser aberto. Provavelmente não há receitas prontas. Cada jornal certamente terá de pensar em sua própria estratégia. Mas também é uma discussão conjunta do que acontece no mundo, de experiências de sucesso que ajudam a avançar nessa discussão.

A ameaça à democracia foi uma temor recorrente durante os painéis do congresso. Em que medida a senhora acha que ela está ameaçada? Qual o papel dos jornais nesse cenário?

Sem dúvida, vivemos hoje uma situação de democracia no país como nunca se viu. Estamos em processo de consolidação, mas ela é bem-sucedida até o momento. Apesar disso, também temos visto experiências de censura prévia, muitas vezes derivadas de decisões judiciais. O papel da ANJ tem sido esse: defender prontamente a liberdade de expressão.

Na sua participação no congresso, o candidato José Serra fez uma dura crítica ao atual governo, acusando-o de cercear a imprensa. A senhora concorda que a imprensa foi cerceada?

Acredito que até temos alguns grupos que, em certas ocasiões, propõem medidas que poderiam ser entendidas como agressivas à mídia, tais como o Conselho Nacional de Jornalismo e outros. Mas acredito que a sociedade brasileira, por outro lado, é resistente, é complexa, e soube resistir muito bem a essas tentativas. A ANJ também tem tido um papel fundamental nesta defesa. (CS)

Fonte: Gazeta do Povo

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