segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Google pode lucrar com conteúdo de jornais?

Maureen Dowd*
Eric Schmidt tem um jeito inocente, com seus olhos azul aquarela, seu minúsculo escritório repleto de brinquedos no campus do Google, quadras de vôlei, bicicletas que não precisam de cadeado, máquinas automáticas de cereais, balas de goma, assentos de toalete aquecidos, gramados e estacionamentos com tomadas para recarregar baterias de carros elétricos.
O presidente do Google não tem nada a ver com um tipo à la Dick Cheney do jogo Domínio do Mundo, com o qual deveríamos nos preocupar enquanto o Google fica espionando nossas casas, nossos oceanos, nossas fraquezas, nossos movimentos e nossos gostos.
No entanto, no lobby da sede, há uma parede vagamente sinistra, do gênero Grande Irmão, na qual é possível acompanhar em tempo real as buscas feitas no Google - as solicitações pornográficas são cortadas - por pessoas do mundo inteiro. Se ficar ali por algum tempo, talvez você chegue a ver o seu nome. Observando por um minuto, vi a associação de Washington onde minha irmã trabalha, a cidade de praia de Delaware onde meu irmão passa as férias, algumas letras de Dave Matthews, as calorias do pão da marca Panera, pés femininos, por dentro dos sabonetes.
Schmidt, 53, tem uma fala suave, que emana a calma sabedoria do terapeuta quando explica por que a privacidade é algo ultrapassado e por que os jornais ultrapassados não tirarão mais dinheiro do Google para se salvarem do colapso.
O tom funciona comigo porque minha profissão está em perigo. Empresas como Google e Craiglist sequestraram o jornalismo, fazendo-nos sentir tão modernos quanto uma réplica de Tyrannosaurus rex sentado no campus do Google.
Neste momento, o Google trava uma grande batalha para saber se tem o direito de lucrar de maneira tão escancarada com o conteúdo dos jornais enquanto o jornalismo corre um grave perigo.
Robert Thomson, diretor responsável do The Wall Street Journal, denunciou sites da internet como o Google chamando-os de verdadeiros "parasitas". Seu patrão, Rupert Murdoch, disse que os grandes jornais não devem permitir que o Google "roube nossos direitos autorais". A Associated Press ameaçou processar a companhia e outras que usam o trabalho dos jornais sem ter permissão para isso e sem distribuir uma porcentagem "justa" de suas receitas. Mas é preciso provar o que vem a ser "justo".
Então, pergunto a Schmidt em uma salinha reservada para as coletivas, que tem um assento ejetável, o que não deixa de me preocupar. "Amigos ou inimigos?" "Nós nos consideramos amigos", responde, mantendo sua serenidade mesmo quando uma boneca de papelão que está sobre uma mesa atrás dele cai sobre sua cabeça.
Por que é que o Google, que gosta de se considerar uma força benigna da sociedade (seu slogan informal é "não seja maldoso"), não nos envia um cheque polpudo por usar nossos artigos, para que possamos manter vivo o equilíbrio dos poderes e continuar fornecendo material para o motor de busca? Afinal, Schmidt reconhece que grande parte do que está na internet é "um lixo". Mas, segundo ele, as pessoas não procuram "porcaria" no Google, apenas coisas "úteis".
Schmidt se recusa a desembolsar dinheiro e observa que os jornais poderiam ceder seu conteúdo ao Google gratuitamente, porque, "na realidade, gostamos de ganhar nosso dinheiro por razões capitalistas obviamente boas".
E prossegue: "a melhor maneira de resolver isso é inventar um novo produto. É o que o Google acha. Os que só cuidam da obrigação raramente inventam o futuro".
E admite que é mais difícil para os jornais dirigirem seus anúncios para o público de modo tão preciso quanto o Google. Se você está lendo a respeito de um crime praticado com uma faca, ele diz, não pode mostrar um anúncio de facas. Schmidt está debatendo com os jornais sobre um novo modelo de anúncio que "compreende sua história" e seus interesses.
"Eles conhecem sua situação demográfica a ponto de saber se você é um homem ou uma mulher, sua faixa etária, etc. O segredo aqui está no fato de que os anúncios valem mais quando são mais dirigidos, mais precisos, mais pessoais".
Será que, para salvar o jornalismo, o Google precisa saber quais são os meus segredos mais íntimos? "Johnny Carson (apresentador de TV, comediante e escritor americano) fumava, e durante 30 anos ele nunca foi retratado fumando um cigarro", diz Schmidt. "Hoje isso seria impossível".
É claro que o Google é líder em acabar com toda privacidade, embora Schmidt afirme que, se alguém se queixa de ter sido flagrado em uma foto embaraçosa pelas câmeras Street View do Google, será possível inventar um recurso para tornar a imagem menos nítida, para tornar um rosto "anônimo".
"Podemos afirmar que não haverá mais heróis", diz Schmidt. "O heroísmo exige que a pessoa seja vista em sua luz melhor, absoluta. Não sei se isso é bom. Como era Barack Obama no primário? Ah, sim, há uma foto dele com o dedo no nariz. Pronto, deixou de ser herói?".
Quando pergunto se o julgamento humano em matéria editorial ainda é importante, ele procura me tranquilizar: "Trabalhando no mundo da comunicação aprendemos que esse equilíbrio entre os redatores de jornal e seus editores é mais sutil do que imaginávamos. Não pode ser facilmente reproduzido pelo computador".
Por um instante sinto-me melhor, até me dar conta de que, para ele, a única razão pela qual eu não posso ser tão facilmente substituível é que o Google já tentou encontrar uma maneira de me substituir.
* Colunista do "The New York Times"

Nenhum comentário:

Postar um comentário